TEORIA DA CONSTITUIÇÃO (PARTE II)
( Anotações das aulas do professor Dirley da Cunha Júnior, ministradas nos dias 20 e 21 de abril, na Pós-graduação em Direito do Estado da Ciclo Renovando Conhecimento/ Faculdade Social da Bahia)
OS SENTIDOS DA CONSTITUIÇÃO
Da análise da constituição, é possível extrair diversos sentidos:
SENTIDO SOCIOLÓGICO (FERDINAND LASSALLE)
Ferdinand Lassalle se destacou na
defesa intransigente do sentido sociológico da constituição, numa conferência intitulada ”Über Die Verfassung” (Sobre a Constituição), proferida para intelectuais e operários, em 1862, na Prússia e publicada pela Editora
Lumen Juris, sob o título “A Essência
da Constituição”.
Segundo Lassalle, a constituição
não é aquilo que o homem diz que é uma constituição, não é produto da razão humana, não decorre
do imaginário humano, a verdadeira constituição é a realidade social, é um
conjunto de fatores reais de poder que regem uma sociedade. Quando fala em
poder, pensa em poder político, militar, do povo. A soma desses poderes revela
a verdadeira constituição de um país. Para ele, a constituição escrita só tem validade se
revelar e espelhar fidedignamente a realidade social. Diante do conflito entre
a constituição escrita e a realidade social, a primeira sucumbirá diante da segunda, pois uma mera folha de papel escrita pelo homem não tem o condão de mudar a
realidade, os verdadeiros fatores de poder.
SENTIDO POLÍTICO (CARL SCHMITT)
Em 1928, Carl Schmitt publicou um
livro intitulado "Verfassung-slebre" (Teoria da Constituição),
no qual defendeu o sentido político da constituição afirmando que esta é a
decisão política fundamental de um povo acerca da existência de sua comunidade. Conforme Schmitt, o próprio povo, enquanto unidade política, atribui-se uma constituição, ou seja, decide sobre a estrutura e
organização do Estado e do poder e sobre os direitos da pessoa humana. Este seria o núcleo essencial da constituição, o conjunto de matérias que podem ser tratadas nela. As demais matérias podem fazer
parte das leis constitucionais. Essa concepção deu origem à classificação em constituição material e
constituição formal. A constituição material corresponde à ideia de constituição e a constituição formal à ideia de leis constitucionais de Schmitt. No período em que defendeu suas ideias, Adolf Hitler ascendeu
ao poder na Alemanha. Carl Schmitt auxiliou o führer a sustentar o nazismo, pois considerava que quem tinha o controle do povo, a sua vontade, tinha constituição.
SENTIDO JURÍDICO (HANS KELSEN)
Em Teoria Pura
do Direito, Hans Kelsen limitou a constituição à ideia de norma fundamental. A
constituição é norma pura. Ao elaborar essa teoria pretendia purificar a norma dos
aspectos sociais, políticos, econômicos e morais, pois considerava que direito é dever-ser
e está dissociado do ser. Para Kelsen, existe uma norma hipotética fundamental, pressuposta, que serve como fundamento transcendental de validade da constituição. Além disso, considera que a constituição é uma norma fundamental, que
se posiciona no vértice do ordenamento jurídico e serve como fundamento de validade para todas as outras normas positivas. Concebe que as normas se situam em escalões diferenciados: inferior, intermediário e
superior. As normas inferiores só são
válidas na medida em que são fundadas nas normas intermediárias e as
intermediárias só são válidas se estiverem fundadas nas normas superiores, que
são a norma fundamental, a constituição, que serve de
fundamento último das normas.
Desse modo, é possível
extrair do pensamento de Kelsen dois sentidos acerca da constituição: um sentido lógico, que estabelece que o fundamento da constituição é a norma hipotética fundamental de natureza transcendental, extrajurídica; e um sentido jurídico, que estabelece que a constituição é o fundamento de validade das demais normas do ordenamento jurídico.
Porém, é importante ressaltar que, no fim de sua
vida, Kelsen abandonou a ideia da norma hipotética fundamental e passou a considerar
que o fundamento de validade do ordenamento jurídico é a supremacia da
constituição.
SENTIDO CULTURAL (KONRAD HESSE)
O direito é
produto da cultura humana e tem que interagir com todos os aspectos da realidade. A constituição precisa reunir
todas essas dimensões. Em 1958, Konrad Hesse, proferiu em Straburg, a conferência “A força normativa da Constituição”, publicada pela editora Sérgio Fabris
Editor, de Porto Alegre, defendendo esse sentido cultural da constituição. Hesse faz um contraponto às ideias de Lassalle. Afirma que Lassalle tem razão quando demonstra a importância da realidade social para a força
normativa da constituição, pois considera que se a constituição se distanciar da realidade não
terá força para regular essa realidade. Porém, afirma que, além da dimensão sociológica, devem ser levadas em consideração as dimensões política e jurídica.Em sintonia com a afirmação de Konrad Hesse em meados do século XX, o hermeneuta Friedrich Müller também considera que a interpretação incide sobre o texto e a realidade, que a norma é
resultado da interpretação do texto e da realidade. A constituição
norte-americana é um exemplo disso. Foi a primeira constituição e é a mais antiga em vigor. Ela vem dando certo
porque é adequada à realidade cultural local. No entanto, não pode ser aplicada em realidades são distintas. Isso demonstra a necessidade do
diálogo permanente entre o texto constitucional e sua realidade.
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