terça-feira, 1 de maio de 2012


TEORIA DA CONSTITUIÇÃO (PARTE II)
( Anotações das aulas do professor Dirley da Cunha Júnior, ministradas nos dias 20 e 21 de abril, na Pós-graduação em Direito do Estado da Ciclo Renovando Conhecimento/ Faculdade Social da Bahia)




OS SENTIDOS DA CONSTITUIÇÃO


Da análise da constituição, é possível extrair diversos sentidos:


SENTIDO SOCIOLÓGICO (FERDINAND LASSALLE)


Ferdinand Lassalle se destacou na defesa intransigente do sentido sociológico da constituição, numa conferência intitulada ”Über Die Verfassung” (Sobre a Constituição), proferida para intelectuais e operários, em 1862, na Prússia e publicada pela Editora Lumen Juris, sob o título “A Essência da Constituição”.
Segundo Lassalle, a constituição não é aquilo que o homem diz que é uma constituição, não é produto da razão humana, não decorre do imaginário humano, a verdadeira constituição é a realidade social, é um conjunto de fatores reais de poder que regem uma sociedade. Quando fala em poder, pensa em poder político, militar, do povo. A soma desses poderes revela a verdadeira constituição de um país. Para ele, a constituição escrita só tem validade se revelar e espelhar fidedignamente a realidade social. Diante do conflito entre a constituição escrita e a realidade social, a primeira sucumbirá diante da segunda, pois uma mera folha de papel escrita pelo homem não tem o condão de mudar a realidade, os verdadeiros fatores de poder. 



SENTIDO POLÍTICO (CARL SCHMITT)


Em 1928, Carl Schmitt publicou um livro intitulado "Verfassung-slebre" (Teoria da Constituição), no qual defendeu o sentido político da constituição afirmando que esta é a decisão política fundamental de um povo acerca da existência de sua comunidade. Conforme Schmitt, o próprio povo, enquanto unidade política, atribui-se uma constituição, ou seja, decide sobre a estrutura e organização do Estado e do poder e sobre os direitos da pessoa humana. Este seria o núcleo essencial da constituição, o conjunto de matérias que podem ser tratadas nela. As demais matérias podem fazer parte das leis constitucionais. Essa concepção deu origem à classificação em constituição material e constituição formal. A constituição material corresponde à ideia de  constituição e a constituição formal à ideia de leis constitucionais de Schmitt. No período em que defendeu suas ideias, Adolf Hitler ascendeu ao poder na Alemanha. Carl Schmitt auxiliou o führer a sustentar o nazismo, pois considerava que quem tinha o controle do povo, a sua vontade, tinha constituição.


SENTIDO JURÍDICO (HANS KELSEN)


Em Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen limitou a constituição à ideia de norma fundamental. A constituição é norma pura. Ao elaborar essa teoria pretendia purificar a norma dos aspectos sociais, políticos, econômicos e morais, pois considerava que direito é dever-ser e está dissociado do ser. Para Kelsen, existe uma norma hipotética fundamental, pressuposta, que serve como fundamento transcendental de validade da constituição.  Além disso, considera que a constituição é uma norma fundamental, que se posiciona no vértice do ordenamento jurídico e serve como fundamento de validade para todas as outras normas positivas. Concebe que as normas se situam em escalões diferenciados: inferior, intermediário e superior. As normas inferiores só são válidas na medida em que são fundadas nas normas intermediárias e as intermediárias só são válidas se estiverem fundadas nas normas superiores, que são a norma fundamental, a constituição, que  serve de fundamento último das normas.
Desse modo, é possível extrair do pensamento de Kelsen dois sentidos acerca da constituição: um sentido lógico, que estabelece que o fundamento da constituição é a norma hipotética fundamental de natureza transcendental, extrajurídica; e um sentido jurídico, que estabelece que a constituição é o fundamento de validade das demais normas do ordenamento jurídico.
Porém, é importante ressaltar que, no fim de sua vida, Kelsen abandonou a ideia da norma hipotética fundamental e passou a considerar que o fundamento de validade do ordenamento jurídico é a supremacia da constituição.


SENTIDO CULTURAL (KONRAD HESSE)


O direito é produto da cultura humana e tem que interagir com todos os aspectos da realidade. A constituição precisa reunir todas essas dimensões. Em 1958, Konrad Hesse, proferiu em Straburg, a conferência “A força normativa da Constituição”, publicada pela editora Sérgio Fabris Editor, de Porto Alegre, defendendo esse sentido cultural da constituição. Hesse faz um contraponto às ideias de Lassalle. Afirma que Lassalle tem  razão quando demonstra a importância da realidade social para a força normativa da constituição, pois considera que se a constituição se distanciar da realidade não terá força para regular essa realidade. Porém, afirma que, além da dimensão sociológica, devem ser levadas em consideração as dimensões política e jurídica.Em sintonia com a afirmação de Konrad Hesse em meados do século XX, o hermeneuta Friedrich Müller também considera que a interpretação incide sobre o texto e a realidade, que a norma é resultado da interpretação do texto e da realidade. A constituição norte-americana é um exemplo disso. Foi a primeira constituição e é a mais antiga em vigor. Ela vem dando certo porque é adequada à realidade cultural local. No entanto, não pode ser aplicada em realidades são distintas. Isso demonstra a necessidade do diálogo permanente entre o texto constitucional e sua realidade.

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